Relatório entra na reta final e propõe revisão de temas como aborto, estupro e eutanásia
Em 1940, o Brasil tinha 41 milhões de habitantes, dava os primeiros passos rumo à industrialização e experimentava o regime ditatorial conduzido pelo presidente Getúlio Vargas. A reunião de mais de cinco pessoas, sem prévia comunicação à polícia, era tratada como contravenção. Presumia-se que, só após completar 14 anos, as mulheres seriam capazes de discernir se estavam preparadas para o ato sexual. Também há 72 anos foi criado, por meio do decreto-lei 2.848, o Código Penal, legislação que define os crimes previstos no país.
Passadas mais de sete décadas, muita coisa mudou. Na era da globalização, surgiram os crimes cibernéticos. O avanço da medicina permite aos cientistas intervir para que uma gravidez não leve a gestante à morte. Tanta evolução obrigou os especialistas a debater a necessidade de mudanças no Código Penal. Em outubro do ano passado, o Senado criou uma comissão formada por 16 juristas que, desde então, se reúne para avaliar a reforma do conjunto de leis.
“O código foi criado na época em que o Brasil era praticamente agrário. Ele não contempla a criminalidade virtual nem traz definições sobre crime organizado e terrorismo. Portanto, estamos propondo mudanças bem profundas para melhorá-lo tecnicamente”, afirma o professor universitário Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal pela Universidad Complutense de Madrid, na Espanha, e membro da comissão.
O jurista antecipou ao Hoje em Dia as principais propostas do relatório final, que será avaliado no próximo encontro do grupo, marcado para 9 de março, em Brasília. Uma das mais importantes, na avaliação do especialista, é a ampliação das possibilidades de aborto legal. Atualmente, a intervenção só é permitida para interromper uma gravidez resultante de estupro.
“Propomos que o aborto seja previsto no caso de feto com até 12 semanas, gerado por mulher sem condições psicológicas de ter o filho. A outra regra é para casos de anencefalia, ou seja, bebê com má-formação cerebral. A Justiça já autoriza essa prática, mas ela precisa ser regulamentada”, diz Gomes.
Em relação ao estupro, os especialistas entendem que o crime também deve ser caracterizado pela introdução de objetos no corpo da vítima com finalidade sexual. A pena prevista é de seis a dez anos de prisão. “O Código Penal diz que só é considerado estupro quando há conjunção carnal”, explica o criminalista Antônio Francisco Patente, ex-promotor e referência mineira na área. Ele atuou, por exemplo, como assistente de acusação no julgamento dos envolvidos no assassinato do promotor Francisco José Lins do Rêgo, em Belo Horizonte.
Segundo Gomes, o molestamento sexual também poderá passar a ser considerado crime. “Ele é caracterizado pelo simples toque no corpo da vítima, com pena de dois a seis anos de cadeia”, diz. A outra mudança proposta é a redução da idade, de 14 para 12 anos, para estupro de vulneráveis.
“Quando o Código Penal foi criado, a presunção era a de que antes dos 14 anos as mulheres não tivessem capacidade para concordar com a relação sexual. Hoje, com a evolução humana, chegou-se ao entendimento de que ela é capaz a partir dos 12. A legislação reflete o costume da sociedade e por isso precisa ser reformada. Ela tem que acompanhar essas mudanças”, ressalta Patente.
Outra novidade prevista no Código Penal é a redução da punição em casos de eutanásia. Quem provocar a morte de uma pessoa com doença terminal ou em estado vegetativo poderá responder por homicídio privilegiado, e não por homicídio simples. “É uma situação em que a vítima pede para morrer. Nesse caso, a pena, que seria de seis a 12 anos, cai para de um a três anos de prisão. Um exemplo de homicídio privilegiado é quando a pessoa comete o crime após forte abalo provocado pela vítima. Em casos de ortotanásia, em que se opta por não usar métodos artificiais para manter a vida, a proposta é a de que não haja punição”, afirma Gomes.
O tráfico de pessoas, segundo o jurista, passará a ser tratado com mais rigor. “O código só prevê o crime quando se trata de tráfico internacional. A ideia é que ele também seja caracterizado dentro do país”, explica. A pena é de três a oito anos de prisão.
Confira algumas propostas de mudança:
Fonte: Enesto Braga- Do Hoje em Dia