A Justiça Eleitoral do Maranhão proferiu uma das decisões mais duras já vistas contra o uso da máquina pública em ano eleitoral. O juiz Alexandre Antônio José de Mesquita, da 77ª Zona Eleitoral de Santa Inês, cassou os diplomas do prefeito de Bela Vista do Maranhão, Adilson da Silva Sousa, e do vice-prefeito José Carlos Soares Melo, declarando ainda a inelegibilidade de ambos e do antecessor, o ex-prefeito José Augusto Sousa Veloso Filho por oito anos.
A sentença, assinada nesta segunda-feira, dia 14, concluiu que os três cometeram abuso de poder político e econômico e praticaram condutas vedadas pela legislação eleitoral, utilizando recursos da educação municipal como instrumento de favorecimento político em plena campanha de 2024.
De acordo com o processo, o então prefeito Augusto Filho, à época dos fatos, se valeu da estrutura administrativa para impulsionar a candidatura de seu sucessor, Adilson Sousa. A investigação revelou que, em 2024, ano da eleição, houve uma explosão nos gastos da Secretaria Municipal de Educação com contratações temporárias, especialmente de servidores terceirizados vinculados ao Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG).
As despesas, que no orçamento inicial estavam previstas em R$ 6,4 milhões, ultrapassaram a marca de R$ 14 milhões, dobrando o valor estimado e chamando a atenção do Ministério Público Eleitoral, que apontou forte indício de desvio de finalidade.
Um dos trechos mais contundentes da decisão judicial menciona o depoimento do então secretário municipal de Educação, professor Ranilson Edilson da Silva, que admitiu em audiência a contratação de 400 vigias para a rede de ensino de Bela Vista — município que possui apenas 19 escolas. O magistrado destacou que esse número representa uma média de 21 vigias por unidade escolar, algo completamente desproporcional e sem justificativa plausível, configurando, segundo ele, a formação de um verdadeiro exército de cabos eleitorais pagos com dinheiro público.
O juiz frisou que o depoimento foi prestado por uma testemunha arrolada pelos próprios investigados, o que reforça sua credibilidade, já que os dados apresentados coincidem com documentos bancários e relatórios oficiais anexados ao processo.
Os extratos do FUNDEB juntados aos autos comprovam que os repasses ao IDG dispararam nos meses que antecederam a eleição — especialmente entre abril e setembro de 2024 — e despencaram logo após o pleito, em outubro e novembro. Para o magistrado, esse comportamento financeiro deixa evidente o caráter eleitoral das contratações.
A sentença cita inclusive a manifestação do Ministério Público Eleitoral, que apontou que os valores pagos à empresa saltaram de R$ 7,2 milhões para R$ 16,1 milhões, sem qualquer justificativa técnica, apenas no setor educacional.
O juiz Alexandre Mesquita reforçou que o artigo 73, inciso V, da Lei das Eleições é claro ao proibir nomeações, contratações ou demissões nos três meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos, justamente para impedir que o poder público seja usado como ferramenta de manipulação do eleitorado.
Segundo a sentença, as contratações realizadas entre julho e setembro de 2024 ocorreram dentro do período vedado e sem qualquer ato formal de autorização do Executivo que justificasse a urgência dos serviços. “A regra é a proibição e as exceções são raras. No caso concreto, a ausência de necessidade inadiável e a dimensão das contratações demonstram um desvio consciente da finalidade pública, utilizado para fins eleitorais”, escreveu o magistrado.
A decisão ainda afirma que o esquema teve impacto direto na isonomia da disputa eleitoral, ao injetar milhões de reais em contratações temporárias às vésperas da eleição, alterando o equilíbrio de forças no pleito. “A contratação de 400 vigias em um município de pequeno porte é um ato que transcende a gestão administrativa. Trata-se de uma estratégia política deliberada, uma tentativa de comprar apoio e fidelidade com recursos públicos”, destacou o juiz.
Com base nas provas reunidas, a Justiça Eleitoral julgou procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE nº 0600664-80.2024.6.10.0057), cassando os mandatos de Adilson da Silva Sousa e José Carlos Soares Melo, declarando-os inelegíveis por oito anos, junto ao ex-prefeito José Augusto Sousa Veloso Filho, e aplicando multa de R$ 50 mil.
A sentença também ordena a anulação das contratações irregulares feitas durante o período eleitoral e determina a comunicação imediata ao Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão para adoção das medidas cabíveis.
O caso deverá provocar grande repercussão política na cidade e reacende o debate sobre o uso de recursos do FUNDEB — que deveriam ser destinados exclusivamente à melhoria da educação — para fins eleitorais. Com a cassação, Bela Vista do Maranhão poderá enfrentar uma nova eleição suplementar.
O juiz encerra a decisão com uma advertência severa: “A desproporção dos números e o aumento repentino das despesas revelam a instrumentalização do serviço público como moeda de troca eleitoral, o que atenta contra a moralidade, a igualdade e a própria essência do processo democrático”.
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